Com o envelhecimento, é natural que o cérebro desacelere. Recuperar nomes leva alguns segundos a mais, objetos se perdem pela casa e ideias podem escapar no meio das conversas. Esses episódios fazem parte do processo normal de envelhecer. No entanto, há situações em que o esquecimento deixa de ser apenas um detalhe cotidiano e passa a indicar que algo está funcionando de maneira diferente — justamente a fronteira onde surgem os primeiros sinais de Alzheimer.
Segundo o médico nuclear Paulo Gustavo Lacerda, da Clínica de Medicina Nuclear Villela Pedras e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ), envelhecer não significa “apagar” lembranças. “A memória só fica mais preguiçosa”, explica. No esquecimento benigno, típico da idade, a informação costuma retornar espontaneamente ou após uma pequena dica, sem prejuízo da autonomia.
Quando o esquecimento vira alerta
O Alzheimer não costuma aparecer de forma abrupta. As primeiras mudanças são discretas: histórias repetidas muitas vezes ao dia, compromissos esquecidos sem motivo aparente, receitas antigas que se tornam confusas, dificuldade para organizar a rotina ou até desorientação em trajetos familiares.
Nessa fase inicial, explica a neurologista Taíssa Marinho, pós-doutora pelo Instituto Neurológico de Montreal (McGill University), o problema não é a distração — é o registro da informação. “Quando a memória recente começa a falhar de modo progressivo, mesmo em ambientes calmos, isso já não é o envelhecimento esperado.”
Outro sinal importante é a incapacidade de lembrar mesmo com pistas, além da frequência crescente dos episódios. De acordo com a neurologista Francine Mendonça, do Hospital Beneficência Portuguesa, lapsos benignos variam ao longo do tempo; já os patológicos seguem uma linha constante de piora. “É comum a família atribuir tudo à idade, o que atrasa a avaliação”, alerta.
Sinais que passam despercebidos
Em muitos casos, os primeiros indícios nem são esquecimentos. O neurologista Renato Anghinah, professor da USP, destaca que alterações na fala — como palavras trocadas ou frases desconexas — e desorientação em locais conhecidos podem aparecer antes da perda de memória. Mudanças comportamentais, como apatia, irritabilidade, perda de iniciativa ou afastamento de atividades prazerosas, também são comuns.
Apesar disso, esses sintomas ainda são frequentemente normalizados. A neurologista Elisa de Paula França, da Academia Brasileira de Neurologia, ressalta: “Muitos profissionais da atenção primária tratam esse tipo de esquecimento, com impacto na vida diária, como algo natural. Mas não é.”
O que ocorre antes dos sintomas
Antes dos sinais surgirem, o cérebro pode acumular por anos proteínas anormais, como amiloide e tau. Essa fase pré-clínica não apresenta sintomas e passa despercebida até que o paciente entre no estágio chamado Comprometimento Cognitivo Leve (CCL). Nessa etapa, ainda há independência total, mas começam as dificuldades evidentes nas atividades diárias, exigindo anotações e estratégias para compensar falhas.
É justamente nesse ponto que o diagnóstico precoce se torna essencial para orientar cuidados, definir intervenções e avaliar a necessidade de terapias modificadoras da doença.
Por que o diagnóstico demora no Brasil
Mesmo com avanços científicos, o diagnóstico costuma levar anos. Além da negação familiar e da crença de que “esquecer faz parte da idade”, problemas estruturais dificultam o acesso a especialistas e a exames adequados.
Anghinah reforça que a avaliação deve começar pela anamnese detalhada: ouvir o paciente e a família para entender a progressão e avaliar fatores como humor, sono e medicamentos. Exames laboratoriais, testes cognitivos e neuroimagem complementam a investigação. Em casos específicos, avaliações neuropsicológicas e biomarcadores ajudam a confirmar o diagnóstico.
Exames novos: PET, líquor e sangue
Exames como PET amiloide, PET tau, análise do líquor e testes de sangue com p-tau217 têm ganhado destaque, mas seu uso deve ser criterioso. Segundo Elisa França, eles são indicados principalmente quando:
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o quadro clínico não fecha diagnóstico;
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os sintomas começam antes dos 65 anos;
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é necessário confirmar a fisiopatologia para uso de terapias modificadoras.
No setor privado, os testes de sangue começam a se popularizar, enquanto no SUS o acesso a PET e biomarcadores ainda é limitado. Em muitos casos, o líquor é o método mais acessível — e nem sempre é obrigatório. “O fundamental é não transformar biomarcador em check-up de memória”, alerta Lacerda.
Por que algumas pessoas pioram rápido e outras não
A evolução do Alzheimer varia significativamente. Idade de início, escolaridade, reserva cognitiva, hábitos de vida, genética e outras doenças cerebrais influenciam o ritmo do declínio. Pacientes mais jovens tendem a evoluir mais rápido; já aqueles com grande atividade intelectual ao longo da vida sofrem declínio mais lento.
Doenças vasculares e outros fatores clínicos também aceleram o processo.
Tratamento precoce: não cura, mas faz diferença
O tratamento envolve três pilares: controle de fatores de risco (pressão, colesterol, diabetes), medicamentos sintomáticos e reabilitação cognitiva. Tudo funciona melhor quando iniciado cedo.
Sobre terapias anti-amiloide — atualmente aprovadas no Brasil para fases iniciais —, Anghinah reforça que os benefícios são modestos e as exigências são altas, incluindo monitorização constante e risco de edema cerebral. “Não é uma medicação de uso amplo”, afirma.
Ainda assim, o diagnóstico precoce abre espaço para intervenções mais eficazes, além de permitir planejamento familiar, acompanhamento adequado e adaptação do estilo de vida.
Com informações d G1

