Nos últimos seis anos a Bahia registrou 40 óbitos e 14 internações por conta de uma doença rara que afeta o sistema nervoso dos pacientes e provoca efeitos na coordenação motora, comportamentais e cognitivos. São 116 baianos vivendo com a enfermidade. Nesta quarta-feira (27), pela primeira vez, o Brasil celebra o Dia Nacional da Doença de Huntington e especialistas afirmam que a falta de informação tem protelado o diagnóstico ou levado a conclusões incorretas, prejudicando os pacientes.
A Doença de Huntington é hereditária. Quem tem pai ou mãe com diagnóstico positivo tem 50% de chances de também ter a enfermidade. O mais comum é que os sintomas comecem entre os 30 e 50 anos, mas há casos em que eles se manifestam antes ou depois desse período. A Casa dos Raros, um Centro de Atenção Integral e Treinamento em Doenças Raras que fica em Porto Alegre (RS), realizou uma palestra em parceria com a Teva, empresa de genéricos e biofarmacêuticos, e o CORREIO foi convidado.
O neurologista Gustavo Franklin, especialista em distúrbios do movimento, contou que a doença é provocada por uma mutação genética que codifica a proteína huntingtina (HTT), resultando em uma forma anormal que leva à morte de células nervosas em áreas específicas do cérebro e causa comprometimento em diversas funcionalidades do corpo.
O principal sintoma são movimentos involuntários e irregulares. Na prática, o paciente perde o controle do próprio corpo e passa a andar de forma cambaleante, como se estivesse alcoolizado. Ele tem dificuldade para se alimentar, andar e realizar outras atividades diárias. Pode desenvolver depressão, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), irritabilidade e impulsividade, além de ter problemas de memória e concentração. O índice de suicídios é elevado.
“Os sintomas psiquiátricos e cognitivos antecipam o aparecimento dos sintomas motores em anos, então, quando isso ocorre o impacto no meio familiar e no paciente quase sempre já está bem estabelecido. Em média, o paciente com doença rara vai ter mais de cinco médicos para fazer a avaliação, e essa é também uma necessidade nos pacientes com a Doença de Huntington”, explicou o neurologista.
A Lei 14.607/23, que criou o Dia Nacional da Doença de Huntington, foi sancionada em julho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A data deve estimular a pesquisa e a difusão dos avanços técnico-científicos relativos à doença, apoiar as ações de conscientização e promover debates. Franklin também é professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR) e disse que o estigma ainda é um desafio.
“O médico norte-americano George Huntington descreveu essa doença em 1872, e durante muitos anos ela foi chamada de ‘aquela doença’. O paciente tem vergonha de falar sobre o assunto. A família tem receio de falar sobre o assunto, e falta informação. É preciso frisar que o que não é visto, não é lembrado, daí a importância da data”, afirmou.
O Ministério da Saúde contabiliza 120 mortos este ano, em todo o país, por conta da doença. O estado de São Paulo lidera com 36 casos. Já a Bahia ocupa a 8ª posição no ranking. A Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) registrou cinco morte e uma internação este ano. De 2008 até 2023, foram 89 pacientes internados e 61 óbitos. Segundo a Associação Brasil Huntington (ABH), 116 pessoas convivem com a doença no estado. A psicóloga e coordenadora da instituição, Tatiana Henrique, explica que existe um teste que detecta a presença do gene que causa Huntington.
“Sou de Alagoas, uma região com predominância de Huntington. Minha avó teve doze filhos e seis deles tiveram a doença. Fiz o teste e descobri que não tenho o gene. Esse exame não está disponível na rede pública e para quem tem convênio é realizado apenas se houver sintomas, mas a gente recomenda que a pessoa que não tem sintoma pondere se quer mesmo saber, porque é uma doença que não tem cura”, afirmou.
O dado foi levantado por iniciativa da própria instituição, mas há subnotificação pelo estigma que impede pacientes de buscar ajuda e por diagnósticos incorretos que confundem Huntington com outras enfermidades, como Parkinson, Alzheimer e Esquizofrenia. Esse erro e a demora para conseguir atendimento adequado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) prejudicam o paciente porque atrasa o início do tratamento.
A estimativa é de que 13 a 19 mil pessoas tenham o gene no Brasil. Os locais com maior prevalência são as cidades de Ervália em Minas Gerais, Feira Grande em Alagoas, e a região de Sobral no Ceará. Os casamentos consanguíneos estão diretamente relacionados com essa questão. A doença não tem cura e é degenerativa, mas com o tratamento adequado, que envolve uso de medicações e acompanhamento com profissionais de diversas áreas, o paciente pode ter melhor qualidade de vida. Confira mais detalhes abaixo:
- O que é a doença – Uma enfermidade provocada por uma mutação genética e que ataca o sistema nervoso. É transmitida apenas de forma hereditária, por isso, quem tem pai ou mãe com o diagnóstico positivo tem 50% de chance de desenvolver a doença. O mais comum são os sintomas começarem a partir dos 30 anos;
- Quais os sintomas – Há impactos motores, comportamentais e cognitivos, como movimentos involuntários e irregulares, irritabilidade, dificuldade para se alimentar e para manter a fluência verbal, perda de memória e depressão, entre outros. A doença é degenerativa, por isso, eles vão surgindo e evoluindo;
- Tratamento – Não tem cura, mas tem tratamento. O acompanhamento precisa ser multidisciplinar e o primeiro contato é feito com o neurologista que vai solicitar o exame, mas será necessário também geneticista, psiquiatra, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, assistente social, enfermeiro, psicólogo e outros profissionais, além de medicamentos;
- Desafios – A falta de informação tem protelado o diagnóstico e até induzido a conclusões incorretas, como Parkinson, Alzheimer e Esquizofrenia. Existe também o estigma sobre a doença que faz o paciente ter vergonha de procurar ajuda;
- Prevenção – Não há prevenção, a doença é hereditária, portanto, é transmitida de pais para filho. Existe exame para detectar se o paciente tem o gene, mas não está disponível na rede pública e convênios são obrigados a fazer apenas se houver manifestação de sintomas.
Fonte: Correio