Alunos do sexto ano do Colégio Santa Maria, no Jardim Marajoara, na Zona Sul de São Paulo, foram orientados a não soltar gases na classe, pois isso atrapalharia o “desenvolvimento das aulas”, segundo o comunicado enviado aos pais na noite de quinta-feira (17).
De acordo com o texto, que foi encaminhado por meio do aplicativo do colégio, alguns estudantes estariam “tendo uma postura bastante desrespeitosa com os colegas e com os professores” durante as aulas, “pois estão soltando gases durante as mesmas”.
“Hoje orientamos a turma, explicando que essa postura é falta de educação, e principalmente tem prejudicado o desenvolvimento pedagógico e a dinâmica das aulas. Contamos com a parceria de vocês”, finaliza.
A escola foi procurada pelo g1, mas não encaminhou posicionamento até a última atualização desta reportagem.
Uma mãe, que pediu para não ser identificada, disse ao g1 que a situação ocorreu em uma das salas, e a professora reclamou.
“Não sei se foi só na sala da minha filha que alguma criança soltou um pum. E acho que isso incomodou a professora, e ela foi falar com a coordenadora. A coordenadora foi passar em todas as classes para dizer que era falta de educação soltar puns dentro da sala de aula e que não podiam fazer isso”, diz.
O comunicado foi repostado em um grupo de mães e pais. As opiniões se dividiram sobre o caso.
“A gente começou a questionar quem seria a criança, como a sua criança deve ter se sentido. Teve parte que deu risada, achou muito engraçado, e outras ficaram preocupadas, pensando pelo aspecto da criança.”
Saiba mais
O colégio tem 75 anos e ocupa uma área de 180 mil metros quadrados e atende alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio. São cerca de 40 crianças por sala. O assunto chegou às turmas mais velhas, e piadinhas teriam começado a ser feitas com os mais novos.
“Imagina a criança? Agora vai sentir dor na barriga, vai ficar segurando, porque vai ficar com vergonha de se pronunciar, de falar a verdade. Eu estou sofrendo de síndrome do intestino irritável. Causa uma série de desconfortos, entre eles dores abdominais por conta de gases. Então, eu fiquei me questionando se eu, adulta, que sou comunicativa, que sou uma mãe, já passei por várias situações, ainda me incomodo, porque é algo que mexe demais, você não sabe qual a reação do outro se você passar mal”, ressalta a mãe.
Os riscos de segurar gases
Ricardo Staffa, cirurgião do aparelho digestivo, aponta que não é ideal, muito menos aconselhável, “proibir” as crianças ou ensiná-las a não soltar e segurar os gases. No caso da escola, não houve proibição, mas uma orientação.
“Isso é muito ruim, porque, primeiro, você vai trazer desconforto e dor para aquela criança que vai ficar segurando os gases por muito tempo. Você vai fazer a criança ter algum tipo de trauma, sofrer bullying e, inclusive, mais tarde essa criança pode começar a manter esses hábitos, podendo evoluir a uma constipação, trazendo transtornos intestinais”, detalha o especialista.
Ainda segundo ele, o correto é ensinar que soltar gases é normal e fisiológico, e a maneira correta de fazer a eliminação, evitando, quando possível, em ambientes com muitas pessoas ou fechados.
“Mas nunca proibir, pois, como eu disse, os gases são de produção natural do nosso corpo e, assim eles devem ser interpretados.”
Hadja Abdalla, médica gastroenterologista da Sociedade Brasileira Gastroenterologia, reforça que pode ocorrer, com a frequência, uma distensão abdominal e dores na área.
“Se vier associado à vontade de evacuar e não evacuar, vai dar uma constipação, as fezes vão ficar mais endurecidas. Pode aumentar o risco de arroto também, pode aumentar o risco de refluxo, por fazer uma pressão dentro do abdome, que vai fazer uma pressão intragástrica e pode fazer o refluxo. O ideal, nesses casos, é não segurar os gases”, completa.
A especialista informa que alguns alimentos podem aumentar a quantidade de gases produzidos, como todos os alimentos com leite, com lactose.
“São produtores de gases também os grãos. Feijão, grão-de-bico tendem a produzir mais gases às pessoas que são mais intolerantes.”
Fonte: G1